Texto redigido na pandemia do coronavírus

Vivemos um momento de exceção que traz transtorno, medo e desordem, pois nele nossa vida prática se vê barrada. Temos que parar e pensar. Momentos como este nos lembram que por mais que tenhamos sonhos de controle sobre a natureza, sobre os outros e sobre nós mesmos, há ainda uma força maior que nos subordina.
A pandemia de covid-19, que alastra-se pelo Brasil, nos desloca de lugar subjetivo e nos direciona o olhar para pensares que muitas vezes se perdem, que não adentram a dinâmica da nossa vida prática capitalista. As pestes que tivemos na história, assim como esse novo vírus, que atingem todas as camadas econômicas da sociedade, mulheres e homens, pessoas de todas as cores, nos faz lembrar que todos somos iguais e que estamos juntos na mesma posição.
Este cenário nos convoca a enfrentar o medo e a angústia. O medo nos faz agir, nos impulsiona a tomar medidas preventivas, obedecer restrições de contato social e métodos de higiene. O problema começa quando o medo do que vem de fora se mistura com a angústia que vem de dentro. Percebe-se, portanto, que há uma dimensão objetiva e outra subjetiva nisso que estamos vivendo.
Se nos desesperamos, todo medo gerado pelo indeterminado será motivo para aumentar angústias já vivenciadas como inquietudes antes disso tudo, como se a doença viesse dar corpo aos nossos piores fantasmas. É neste ponto que temos que ficar atentos e cuidar da nossa saúde mental, utilizar da linguagem como ferramenta para o livre falar, em busca assim, do nosso equilíbrio, harmonia e organização. O medo se combate com precaução e medidas objetivas, a angústia com cuidado de si e trabalho subjetivo.
Neste sentido, esta situação tem muito a nos ensinar, especialmente quanto a nossas ilusões de controle e dominação sobre o mundo e sobre nosso destino. A cultura do ódio, a crença digital de que somos importantes e tantas outras promessas nos fazem acreditar que somos soberanos. Aí aparece um pequeno micro-organismo e nos derruba, nos tira do trono de nós mesmos e nos convoca a uma experiência escassa em nossa época, a humildade. Deste ponto de vista, essa vivência atual pode ser muito transformadora no sentido de conseguirmos aceitar a imprevisibilidade da vida e acolher com humildade aquilo que nos escapa.